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Foto: Fabiano Trichez |
Hoje, a cadeira de balanço me balança mais do que o que os meus pés impulsionam. Enquanto sinto o vai-vém devagar, penso num velho senhor que poderia estar aqui do meu lado. Todos os anos desde jovens nos encontravá-mos quando decidia ir visitar meu antigo país. Exceto quando tive que ficar ausente por causa da guerra. Ah, a guerra passou tão devagar ao longo de um ano. Iamos no mesmo bar que já tinha trocado de dono várias vezes, um lugar calmo para conversar, sem música alta e que continuava como sempre foi (o que para quem viu o tempo passar é quase um milagre). Eu tomava água com gás, ele decidia entre vinho ou uísque.
Sentávamos em um mesmo canto calmo, com luz baixa. Quando sentavámos nos olhavámos nos olhos com cumplicidade e paciência, sabíamos que poderíamos ser um casal. Parecia que todo ano era igual, e só percebemos o tempo passar quando de repente, um salto de vinte anos se passou, e algumas rugas se emendaram no nosso rosto. Sabe, notamos o tempo passar de susto, aos solavancos de idade.
Tínhamos uma conversa de praxe, todos os anos. Ele tinha um sonho maravilhoso, todo planejado, muitas ideias, durante a juventude tinha vivido e feito muitas coisas, uma coragem adolescente. Mas nem chegou aos trinta anos, e tinha parado, um trabalho, uma empresa, um grande negócio. Eu insistia que ele foi negociando o sonho dele ao longo dos anos. Perguntava:
- Como está o trabalho?
Ele respondia:
- Estou trabalhando, mas não é o meu sonho.
No ano seguinte, eu perguntava novamente e ele dava a mesma resposta com variações: decidi comprar um apartamento primeiro, comprar um carro, meu pai está doente, minha mãe envelheceu, meu filho nasceu. Tudo era urgente, menos o seu sonho, meu irmão está precisando de dinheiro, me separei. A vida foi amansando o sonho, mas a frase era igual: Estou trabalhando, mas não é o meu sonho.
Decidi, que iríamos ser cúmplices além dos olhos quando tivesse coragem, não poderia amar um homem de sonhos envelhecidos. A cada ano o sonho parecia perto e distante. E a felicidade também ao alcance das mãos, mas inatingível. Sentava com ele a mesa, e via que o trabalho o consumia, e não ele consumia as coisas com o seu trabalho. Enquanto o sonho se (con)sumia.
Ontem, eu tomei água com gás, descansando da minha vida agitada correndo atrás dos meus sonhos, ele também tomou água com gás, tomava remédio para dormir a noite. Sequer pediu um uísque. Sentou na minha frente e falou depois de 40 anos que sentávamos no mesmo bar, na mesma mesa:
- Antes que me pergunte como está o meu trabalho, digo que esperei demais para o meu sonho.
Olhei nos seus olhos, e aquela confissão fez ele envelhecer mais do que todo o tempo que o conheci. Os olhos envelheceram de repente. E não foi um tom triste, foi um tom resoluto, de quem desistiu. Eu que conhecia os planos tão bem, olhei para ele desolado e não poderia dizer “ainda dá tempo”. Recolhi-me em silêncio, aquele momento que as palavras não servem e as melhores frases ficam completamente desajustadas.
Ficamos envelhecendo em silêncio na mesa. Eu que sempre sonhei e vivi, ele que sonhou e trabalhou. Enquanto a cadeira de balanço me empurra para frente e para trás penso na ausência, e invariavelmente nas desculpas do tempo.
Mayara Floss