quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Pirulito


É um desses dias de asfalto, correria e calçadas. Avisto ao longe um pai empurrando a carroça, não me pergunte como sei que é pai, mas sei. A força dos músculos na subida, o sol penoso, forte, cega os olhos. O que chama a atenção não é o homem, mas a pequena menina acomodada no meio do papelão, com um que parece uma casinha para ter um pouco de sombra, ela dorme. A mãe está longe nas lixeiras à frente procurando, papelão, papéis, garrafas, latinhas ou o que conseguir aproveitar – sorte era achar as latinhas que valiam mais.


A mãe já com o ventre se alongando novamente. Penso que mal teve tempo de ver a outra filha. Ao lado corre um cachorro faceiro que sempre anda com eles, incrível como nunca para de balançar o rabo e nunca guarda rancores, às vezes o homem esbraveja com o cão, mas quando desce da carroça afaga as orelhas caninas. Com o solavanco da parada a menina acorda, um pouco desnorteada.


A menina barrigudinha e com os cabelos crespos desgrenhados, preto, alguns dentes faltando, uma blusa que deixa aparecer a barriga, um calção e os pés descalços. Deve ter uns quatro ou cinco anos. Ainda assim, bonita na sua meninice. Vejo ela chamando o pai que está pegando uma monte de caixas de sapatos frente a uma loja, é o centro da cidade. As buzinas começam a tocar, ele está atrapalhando o trânsito. É difícil concorrer com os automóveis, e as paradas para coletar o papelão geram vários xingamentos, “vagabundo” é o mais comum. Ou “vai trabalhar vagabundo”. Questiono-me se não é exatamente o que ele está fazendo. A pressa moderna cega os olhos dos homens dentro dos seus carros velozes. Hoje não é diferente.


A mãe termina de colocar mais caixas de papelão que a menina vai pisando em cima para conseguir se acomodar novamente, nesse meio-tempo o pai sobe na carroça e dá outro solavanco porque o trânsito não pode parar, nem esperar. Percebo que dobra as costas ao ouvir os xingamentos, e apenas abaixa a cabeça e segue levando a carroça, parece que até o cavalo sente a briga do trânsito e segue com os passos mais apertados. A menina ignora tudo, esse é a impressão. E cutuca o pai pelas costas e pede algo no seu ouvido.


O pai faz sinal para esperar. E na próxima parada antes de descer pega uma mochila velha que estava de lado na carroça e puxa um pirulito. Um desses grandões coloridos, aquele redemoinho de cores, amarelo, vermelho, azul, verde... A menina segura no cabo do pirulito e esconde-se atrás daquele emaranhado de cores. Todo o rosto dela fica escondido em meio a uma lambida e quando a língua dela chega ao final da coluna solta uma gargalhada dessas doces, que enchem a nossa alma de alegria. Mas não vejo mais a sua face, sei que sorri por trás do pirulito e já começa avidamente outro processo de degustação.


Sentou as perninhas balançando no ar. o pirulito parecia mágico, furando o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio – como diria Drummond. E assim, permaneceram para sempre, uma família bela, como um filme em câmera lenta, o pai levando o carrinho, a mãe correndo na frente adiantando o serviço de encontrar o material para reciclar e, o sorriso da menina escondido atrás do grande pirulito: indecifrável e inesquecível.

Mayara Floss

Um comentário:

  1. Essa é a verdadeira alegria, a que vem de dentro para fora. Beijos!

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