quarta-feira, 28 de maio de 2014

Espera

Foto: Fabiano Trichez
Não são só as fotos velhas
Que passam
É você que continua
Em baixo da minha pele
E como se eu soubesse
Que você seguiria aqui
Talvez não veja mais seus olhos.
Nem a primavera consegue
Fugir do inverno daqui.

A vida segue, meu amor
Mas talvez,
Ainda vamos sentir
As palavras ao pé do ouvido
Uma esquina que lembre você
Aquela música no rádio
Ou uma vitrine qualquer

Mayara Floss

terça-feira, 8 de abril de 2014

Carta naútica


Foto: Fabiano Trichez
Acordei com uma necessidade urgente
de encontrar os teus olhos
E me perder em teus braços
Percorrer o teu peito
E a despeito de todo o mau tempo
Navegar pela tua geografia
Como quem aprende
Com cada curva a poesia
Desbravar o oceano entre nós
E cada vez que me encontro
Em meio a tua pele
Me perco em ti
Até a minha bússola
Gira num desassossego
Ando de porto em porta
Como barco sem norte
Sem rota, sem sorte
E nem o melhor mapa
Nem mesmo as estrelas
Tiram o gosto do sal
Da minha boca
E parece que vivo
Para naufragar em ti



Voam abraços,
Mayara Floss

sexta-feira, 7 de março de 2014

Mundo


Foto: Fabiano Trichez

O vento silencioso
Passa frio
Na ponta dos dedos
O olhar rasgado
Em guitarras
E procuro por qualquer lado
Terra
Para meu coração de mundo
Meu peito fica pequeno
Em canção
Pela íris de mel
Vejo o ar passar
Pela minha boca
E tento consolar
Minha alma com lua
E talvez seja só a maré
Que passa pelo meu tato
Com um gosto amargo
Cuide-se
É o que dizem
Numa esperança
inquieta
De encontrar chão
Para meus pés frios

Mayara Floss

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Costura

Foto: Fabiano Trichez

Uma agulha
de palavras
vai emendando
costurando
as ideias
completando
as frases
cortando
os versos
descosturando
e organizando
com a linha
da poesia

Mayara Floss

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Entre a cuia e a lua

Foto: Fabiano Trichez

Lua cheia:
Sorvo o mate
Como um beijo
Queimando os lábios
Descendo na madrugada
O calor da companhia
Do chimarrão
No ronco baixo
Pedindo mais água
Como se pedem abraços
O mate é saudade
No contorno do porongo nu
Vejo eu desnuda
E levo a noite solitária passar

entre o calor da cuia
A noite e lua

Mayara Floss

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Sonhos velhos


Foto: Fabiano Trichez
      Hoje, a cadeira de balanço me balança mais do que o que os meus pés impulsionam. Enquanto sinto o vai-vém devagar, penso num velho senhor que poderia estar aqui do meu lado. Todos os anos desde jovens nos encontravá-mos quando decidia ir visitar meu antigo país. Exceto quando tive que ficar ausente por causa da guerra. Ah, a guerra passou tão devagar ao longo de um ano. Iamos no mesmo bar que já tinha trocado de dono várias vezes, um lugar calmo para conversar, sem música alta e que continuava como sempre foi (o que para quem viu o tempo passar é quase um milagre). Eu tomava água com gás, ele decidia entre vinho ou uísque.

     Sentávamos em um mesmo canto calmo, com luz baixa. Quando sentavámos nos olhavámos nos olhos com cumplicidade e paciência, sabíamos que poderíamos ser um casal. Parecia que todo ano era igual, e só percebemos o tempo passar quando de repente, um salto de vinte anos se passou, e algumas rugas se emendaram no nosso rosto. Sabe, notamos o tempo passar de susto, aos solavancos de idade.
     Tínhamos uma conversa de praxe, todos os anos. Ele tinha um sonho maravilhoso, todo planejado, muitas ideias, durante a juventude tinha vivido e feito muitas coisas, uma coragem adolescente. Mas nem chegou aos trinta anos, e tinha parado, um trabalho, uma empresa, um grande negócio. Eu insistia que ele foi negociando o sonho dele ao longo dos anos. Perguntava:

     - Como está o trabalho? 

     Ele respondia:

     - Estou trabalhando, mas não é o meu sonho.

     No ano seguinte, eu perguntava novamente e ele dava a mesma resposta com variações: decidi comprar um apartamento primeiro, comprar um carro, meu pai está doente, minha mãe envelheceu, meu filho nasceu. Tudo era urgente, menos o seu sonho, meu irmão está precisando de dinheiro, me separei. A vida foi amansando o sonho, mas a frase era igual: Estou trabalhando, mas não é o meu sonho.

     Decidi, que iríamos ser cúmplices além dos olhos quando tivesse coragem, não poderia amar um homem de sonhos envelhecidos. A cada ano o sonho parecia perto e distante. E a felicidade também ao alcance das mãos, mas inatingível. Sentava com ele a mesa, e via que o trabalho o consumia, e não ele consumia as coisas com o seu trabalho. Enquanto o sonho se (con)sumia.

     Ontem, eu tomei água com gás, descansando da minha vida agitada correndo atrás dos meus sonhos, ele também tomou água com gás, tomava remédio para dormir a noite. Sequer pediu um uísque. Sentou na minha frente e falou depois de 40 anos que sentávamos no mesmo bar, na mesma mesa:

     - Antes que me pergunte como está o meu trabalho, digo que esperei demais para o meu sonho.

     Olhei nos seus olhos, e aquela confissão fez ele envelhecer mais do que todo o tempo que o conheci. Os olhos envelheceram de repente. E não foi um tom triste, foi um tom resoluto, de quem desistiu. Eu que conhecia os planos tão bem, olhei para ele desolado e não poderia dizer “ainda dá tempo”. Recolhi-me em silêncio, aquele momento que as palavras não servem e as melhores frases ficam completamente desajustadas.

     Ficamos envelhecendo em silêncio na mesa. Eu que sempre sonhei e vivi, ele que sonhou e trabalhou. Enquanto a cadeira de balanço me empurra para frente e para trás penso na ausência, e invariavelmente nas desculpas do tempo.

Mayara Floss

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Ano novo


Foto: Fabiano Trichez

Os finais de ano, a despeito do verão, são todos chuvosos. Durante a comemoração já foram armadas barracas, feito tendas, e claro, tomado vários banhos de chuva. Em geral reza-se para não chover, reclama-se quando chove, e beija-se quando virar o ano em baixo da chuva. Porque se não for água, será champanhe.

Nos finais de ano, pelo instante de virar, enquanto ocorre a tão esperada contagem regressiva, tudo se acalma, todos se abraçam, tudo é perdoado (até o próximo ano começar). E os fogos de artifício fazem alguns sorrirem, crianças chorarem, cachorros ladrarem. Deve ser por isso que entre estampidos de garrafas estourando, rolhas voando, e pessoas cantando “Adeus ano velho e feliz ano novo” você olha para o céu, limpo ou não, com fogos de artifício, e apenas respira os ares iguais ao ano anterior, só que no ano novo.

Depois de toda a comemoração, choro, risos e perdão. Vão todos dormir, e é no silêncio da madrugada depois de todo o cansaço é que a mágica acontece. Você percebe que as pessoas só envelhecem no ano novo. E renascem com a mudança no calendário.

Mayara Floss
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