sábado, 25 de maio de 2013

Eu, um violão.


Foto: Fabiano Trichez

 Tive muitas mães, uma de cada terra. Mas tive apenas um pai. Minhas mães eram dos mais diversos lugares e das mais diversas idades. Para eu poder nascer elas tiveram que ir ao chão. Meu pai conheceu cada uma delas com o sensível toque da sua mão. Ele conheceu cada curva, desenho e silhueta com carinho. Ele gostava de todas elas e por isso eu nasci. Ele engravidou de mim, desde quando eu era apenas um sentimento.

Nasci também porque logo teria um irmão, não tão parecido comigo, mas igual em sentimento. O meu irmão não tem o mesmo pai, mas o meu pai é como um pai para ele também. Nascer não é fácil. Nascer é o primeiro vibrar, o desdobrar dos harmônicos.

Eu fui nascendo assim: de formão e raspilho. Nasci do corte, dos moldes, do corpo. Nasci das mãos e da embriologia da madeira. Cada veio era como uma veia em minha boca. Cada parte de meu lábio surgiu de um pequeno filete, matemático, calculado e desenho simetricamente porque é por ali que eu teria força para cantar. Nasci do amor de meu pai.

Nasci do pó e das horas exatas. Nasci com um leque para propagar meu canto ao vento, como uma coluna vertebral que me sustenta. Meu braço, de muitos abraços surgiu finamente e como um encaixe perfeito, comecei a tomar forma depois de alguns meses de gestação. Meu corpo se completou depois da cabeça, veio do molde fino e úmido que se precisa para amar. E fui assim, me dobrando e desdobrando criando e juntando minhas próprias curvas. 

Depois minha alma negra chegou para formar um desenho quase completo. Chegou para acomodar as mãos do meu aconchego. Quase no fim uma pequena peça do meu desenvolvimento alguns detalhes, para o meu nascimento. Eu nasci devagar, de um parto demorado, foram seis cordas para eu nascer. Nasci daquele momento tenso, denso e intenso que é parir. Medo de que eu não nascesse fino que eu não pudesse conquistar alguns corações. 

Nasci assim, simples, cheio de pedaços e do tamanho certo. Nasci sem grandes holofotes, nasci meio fechado, para depois ser inteiro por completo. Nasci para logo ser abandonado. Mas só nasci de verdade quando meu irmão chegou e me pegou pelo braço. E me fez soar um primeiro compasso. Meu pai sorriu, aliviado, tinha sido um bom parto. E eu nasci assim: de anatomia, madeira e sentimento.

Eu nasci para o aconchego do colo. Para o vibrar do peito, o balanço das cordas. Eu nasci meio melodia, meio poesia, meio desafinado. Mal nasci e já tinha responsabilidades, sonhos e vontades. Eu, um violão. 

Mayara Floss

Um comentário:

  1. Que texto lindo May. Cada palavra compondo...Cada verbo sussurrando sentimentos. Que tu possas vibrar cada dia, em cada acorde de cada manhã. E que a música seja o passar das horas e tua vida inteira melodia.

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