segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

De mão em mão

Foto: Fabiano Trichez

O chocalho na mão, o irmão mais velho com o violão atrás, a irmã ao lado batendo com os pés no chão, ele com chinelo de dedo marcando o ritmo. Os cabelos negros escorridos e o canto em uníssono das pequenas vozes pueris e o irmão mais novo com o cesto na mão, passando de mão em mão.

Cantam com o “instrumento colonial” o canto dos seus ancestrais em troca de moedas, de mão em mão.

A mãe, logo atrás, sentada encostada na parede de um Banco, uma criança no colo enrolada; em alguns panos, de um lado, um tapete estendido no chão com pequenos artesanatos em madeira – pulseiras, onças e tucanos (animais que há tempos não aparecem no concreto da cidade) – do outro lado cestos de palha.

Enquanto os “filhos grandes” elevavam seus cantos acima das buzinas a mãe calada escuta o choro do filho mais, mais novo e oferece o peito para recém-nascido. A criança abria e fechava a boca como um peixe, e abria e fechava as mãos em procura e encontrava o silêncio em meio a tudo e a todos.

Passavam outras mães com carrinhos de bebês, mamadeiras, leite em pó, protetor solar, fraldas descartáveis. E ali, no chão, encostada na parede do Banco, a mãe deixava o líquido branco que protege alcançar seu filho. Era um mamar de desespero e paz.

Passavam as mulheres apressadas também, reclamando. Sempre se esqueciam de tirar algum objeto de metal para entrar no banco, tinham que tirar até as pulseiras, um absurdo. Pior eram as moedas, infinitas que se abrigam no fundo da bolsa e não as deixam passar pela porta giratória, sem contar o constrangimento que é ficar trancando entre a calçada e o granito.

No entanto, poucas moedas chegavam àquelas mãos. Mas, no meio de tanta insatisfação, encostada na parede do Banco, a mãe amamentava e os pequenos continuavam mendilouvando de mão em mão.

O recém nascido pararia de mamar, cresceria, se tornaria o filho mais novo (mas não tão novo), passaria pedindo moedas, cantaria e bateria os pés, tocaria chocalho e depois violão...Pena, a parede do banco continua sendo o abismo entre o chão de granito e a calçada.

Mayara Floss

6 comentários:

  1. De fato existem barreiras construídas pelo homem que ultrapassam todos os conceitos, inserindo no mundo um novo preconceito a cada era.

    Cabe aos possuidores da grande sensibilidade que contagia transpor essas barreiras e as colocar ao solo!

    Parabéns pela belíssima participação!

    Abraços renovados!

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  2. Cena essa que se repete em todas as cidades.Linda tua participação!beijos,chica

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  3. Olá. Estranhamente também escrevi sobre a fina arte de mendigar, mas noutro contexto.
    Gostei imenso do texto até porque começa a ser uma cena cada vez mais comum... infelizmente.

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  4. Hum... Será que o problema da mendicidade reside apenas na indiferença? Deixo a questão...
    Não peguei na indiferença por este prisma, mas está um belo texto, gostei muito!*
    Beijo*

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  5. Olá,

    " Das alturas orvalhem os céus,
    E as nuvens que chovam justiça,
    Que a terra se abra ao amor
    E germine o Deus Salvador"...

    Hoje, passando por Niterói, (longe de onde moro) vi tanta indiferença ao meu redor... como a coisa mais natural do mundo... que pena!!! A gente se acostuma... com o que não deveríamos...

    Fico tão sem palavra para agradecer o carinho imensurável com que me cumula ao longo do ano que só posso lhe dizer que:
    Seja muito abençoado e feliz, amigo!!!
    Abraços fraternos de paz e FELIZ NATAL... apesar de qualquer vestígio de dor em seu coração...

    "Quando eu estiver contigo no fim do dia, poderás ver as minhas cicatrizes,

    e então saberás que eu me feri e também me curei."

    (Tagore)

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  6. Muitas vezes os olhos veem mas a mente não observa.

    Aproveito para desejar um Feliz e Santo Natal

    http://utopiarealista.blogspot.com/2011/12/feliz-natal.html

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