quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Escre(ver)


Todos são poetas
Só que alguns
Colocam-se em palavras
Outros guardam a poesia
Para o seu coração

Afinal, nem toda poetização
Precisa ser escrita
A vida é singela demais
Para querer dividir-se
Em colocações

Embora, para aquele escreve
Não existe alento
Nem carinho
Que afague melhor o peito
Que se espalhe em efeito

Do que ficar em silêncio
E ser poeta de sentimento
Porque a poesia
Fica nos olhos do poeta.

Mayara Floss

domingo, 18 de setembro de 2011

Final de Semana


A semana só começa para muitos na sexta-feira, evolui para o sábado e já no domingo se entristece, seja pela má programação televisiva, seja pelo prenúncio da segunda-feira. Acho engraçado, que basicamente o stress, a correria do dia-a-dia, faz nos viver para o final de semana. “No final de semana vou descansar”; “No final de semana vou sair”; “No final de semana vou estudar”; “No final de semana vou cozinhar”; “No final de semana vou aproveitar para estar perto de quem amo” e assim por diante. Delegamos muitas alegrias para o final de semana. Se só descansamos no final de semana, o que é dormir durante a semana? A vida é para ser vivida além dos dias definidos do calendário. Será o tempo o culpado de tudo, ou a necessidade de fazermos caber muitas atividades durante a semana e fazer um corte para viver no final de semana.

Não é só o trabalho, muitos só leem no final de semana, só comem direito no final de semana, só o final de semana se reflete na vida que queriam levar. Mas levamos muito pouco dessa vida e se sobrevivemos para viver os finais de semana, perdemos outros cinco dias que podem ser de grande intensidade. A felicidade divide-se em pequenas doses diárias e não na solubilidade rápida do álcool do final de semana. O tempo é mais profundo, o final de semana não é descarregar todas as nossas emoções e ausência da semana, aparentemente, final de semana é o tempo que se tem para amar, para comer, para dormir, para sair da dieta, para quebrar as regras. O que se constrói com isso? Doses de alegria semanais intercaladas com a segunda, terça, quarta, quinta e sexta-feira? A felicidade vai além do sábado e domingo. O ritmo, a velocidade com que temos que tratar tudo nos faz virarmos o final de semana, vivemos em alta velocidade porque tempo é para os fracos, melhor uma rotina atribulada, ocupada em todos os horários, assim você faz mais coisas. Freamos no final de semana para descansarmos, mas sem muito tempo para pensar. Aliás, penso sempre se fazer mais implica em viver mais.

Nasci em um tempo onde não se tinha tanto material para ler, mas lia-se mais. Não tinha redes, nem internet, e-mails, mas nos relacionávamos melhor; inclusive no almoço mesmo no entre-horário do trabalho conseguíamos sentar em família à mesa, não deixando a necessidade angustiante por informação e notícias falando, o famoso jornal do almoço. Aliás, o amor era mais devagar, valorizava-se apertar a mão um do outro, estar perto era o suficiente, não o que é hoje esse corre-corre e as relações intensas e entrecortadas. Vivemos conectados, 100% em tudo, qualquer coisa tem o celular e aí daqueles que estão “fora de área”. “Fora de contexto”, “fora da correria”, antes um jogo de futebol era tudo, a expectativa o rádio ligado, hoje você pode com qualquer payperview assistir e saber de todos os times, ou no resumo do jornal do domingo. Ainda, vivi para ver o disco de vinil, as músicas trabalhadas e feitas com calma, prontas para serem digeridas pelos nossos ouvidos. Também, não existia comidas prontas, rápidas e indigeríveis ou melhor “comidas com sabor caseiro” prontas em três minutos.

Não vivo no passado, mas também não vivo de finais de semana. Me espalho todos os dias, cada geração entrega para a próxima aquilo que não foi. Seja cauteloso com a sua agenda, existem dois momentos nos quais não podemos fazer nada por eles: ontem e amanhã.

Mayara Floss

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Poeta


Me perdoe o atraso
Mas é uma maldição esta
do poeta
Ter que escrever nas
horas erradas
Mas é que o poeta não
tem tempo
Por isso ele está
Sempre perdido no espaço
Não aprendeu a ler o relógio
E não consegue colocar a vida
dentro de um compasso
Perdoe essa vida-poesia
Mas é que se não for assim
Não consigo poematizar
E tudo vira matemática abstrata
Regrada e amarrada
Por isso deixe-me ser menos
inglesa
Porque a espera
é o que faz um poeta

Mayara Floss

domingo, 11 de setembro de 2011

Facetas


Toda a asa que se abre contra o sol
deixa uma sombra na terra
Que isso não te impeça de voar
Que a tua sombra não seja medo
Mas seja a face da tua alma plena
Que não é só luz
Porque a penumbra é que fez a curiosidade
E continuamos completamente ignorantes
Qual seria o brilho de uma estrela
Se não existisse a ternura da noite?
Foram os sonhos antigos
Que construíram o que vivemos hoje
Por isso o tempo não tem horas
E as horas não tem tempo
Como flores esperando a primavera
Vivemos para desabrochar,
E com o vento cair ao chão
Para dar a continuidade
Qual seria a maior beleza da vida
Se não a sua amiga a morte?
O que nos moveria se tivéssemos
Todas as nossas certezas e tempo
Se ao alçar voo não tivéssemos
A companhia infinita do dia e da noite
Aliás, que essa não seja uma prolixa novidade
Mas a escuridão é o brilho da vida

Mayara Floss

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Magreza

Foto: Fabiano Trichez


Ultimamente, aliás, de vários anos para cá, tudo tem que ser magro. Magro é bonito, esbelto e atraente. Isso tem criado medos, medo de comer, medo de calorias, medo de engordar. Existe ainda medo da fome, mas tudo se resolve com uma vida light, com poucas calorias e pouco calor. Você pode ter queijo light, iogurte light, cereais light, comida light. Além de light tem que ser prático, rápido e fácil de preparar, porque o tempo também afinou. O corpo perfeito, tempo de academia suplementado. Suplemento para massa muscular, suplemento para emagrecer, para fortalecer, para alimentar – não esqueça de manter as embalagens em lugar fresco e seco, fora do alcance das crianças. Afinal, emagrecer tem o seu perigo. Fitas métricas no busto, cintura, coxas. Balança, a maldita balança, que poucos sabem equilibrar o peso de suas atitudes. O narcisismo pelo corpo perfeito, pelas gorduras queimadas pelo emagrecimento. Pergunto-me, tudo se isso não tem criado um outro tipo de magreza, a magreza de pensamento. Não é só a alimentação que está light, nossas leituras estão lights, porque é mais fácil ler sem pensar muito (assim, você não engorda o pensamento e se mantêm esbelto); as músicas estão cada vez mais fragmentadas, magras e menos estruturadas; os nossos sentimentos, as nossas relações estão emagrecendo, é melhor não se envolver, ter uma relação light para não sofrer depois, seja magro no amor também; vamos abreviar, cortar e diminuir todas as medidas, os olhares. Vamos estreitar nossa mente, para nos mantermos no padrão. Estamos com o tempo tão magro que as pessoas precisam receber e-mails de autoajuda, doses lights de carinho para manter-se em forma. Aliás, forma, que forma manter, o que é manter-se em forma? Qual é o formato ideal, quais são as linhas que queremos, qual é nossa embalagem, o nosso rótulo. Que magreza que existe, que medo de alimentar-se de coisas boas, comer um bom livro, digerir uma boa música, engordar nossas relações. Só por favor, mantenha-se magro, mas mantenha-se em local fresco e seco, porque a secura de sentimentos é magra, e mantenha-se fora do alcance das crianças, por favor, elas tem um tempo gordo, uma imaginação sem medidas e uma fome de curiosidade que não se encaixam na sua cintura.

Mayara Floss

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Liberdade


Desejo de liberdade? Vontade de libertar-se? A liberdade é assunto sempre, e sempre estamos para ser libertos. Os escravos foram libertos, mas depois eles tinham que se libertar do preconceito. A liberdade de expressão é liberdade ausente, pois só é liberto aquele que fizer tudo dentro da normalidade. E a loucura é a liberdade da normalidade, mas até prender-se no seu próprio mundo. Liberdade também é Avenida em São Paulo. Liberte-se da sede. Liberte-se da fome, mas a liberdade é insaciável. Liberdade é direito, mas dentro da lei. Liberdade é poder escolher, dentro das opções. As opções são a liberdade de escolha. A roupa é a liberdade de expressão, e a nudeza a liberdade da roupa. E a alma a liberdade do corpo. Somos libertos como cidadãos. Liberdade é estátua. Liberdade é ausência de culpa, embora os inocentes não sejam libertos. Liberdade é conceito. Liberdade é pós Revolução Francesa. E revolução é liberdade até deixar de ser revolução. Liberdade de escolha, mas não de opções. Liberdade de fazer o que quiser, dentro dos limites. Liberdade depois dos dezoito anos para dirigir, depois dos vinte e um anos para ser preso. Liberdade depois dos sessenta para andar em ônibus sem pagar. Liberdade de comprar, mas com juros. Liberdade jurada diariamente, e com cobrança por mais liberdade. Liberdade é bairro. Liberdade é vida e morte. Liberdade é não contar as horas, mas continuar no tempo. Liberdade é conhecimento, e conhecimento não tem fim. Liberdade é ignorância e a ignorância é liberdade cega. Não ter algemas é liberdade, embora não sinta as amarras que te prendem até mover-se. Liberdade é oceano, embora a areia limite as suas bordas. Liberdade é universo, embora a matemática limite o infinito em símbolos. Símbolos são liberdades cheias de significado e costumes. Costumes são liberdades ao avesso. Liberdade é andar de patins, até encontrar o chão. Liberdade é tocar o céu, embora tudo seja . Liberdade é andar à cavalo, até ele sentir as rédeas. Liberdade é silêncio. Mas a falta de liberdade silencia. Gritar é libertar-se, até o limite da sua voz. Liberdade é casar-se ou não. Liberdade é ausência de preocupação, embora você escolha suas preocupações. Liberdade é destronar um rei, mas ocupar o trono não é liberdade. E quando caírem todos os conceitos e você sentir-se livre, não se esqueça de uma liberdade maior que não está dentro dos seus conceitos.

Mayara Floss

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Contramão


Sabe ande com cuidado
Olhe para os dois lados
Mas não pergunte o porquê
Esta tudo o contrário
E em dezembro
Estamos comemorando São João

Me desculpe mas eu
Ando meio engasgado
Não sei se estou enganado
Mas abriram um circo
no meu coração

E eu consumi o meu significado
Não sei sou metrópole ou sertão
Os meus versos são foguete
Ou silêncio de canção

Esqueci o dicionário
E estou na contramão
Mas minha casa fica em qualquer esquina
Da avenida Getúlio com a rua sabatina
De nenhum chão

Minha janela, já não apaga as luzes
da escuridão
E a lua
Faz sombra para o violão

Sabe, andam me ditando as regras
E eu perdi as rédeas
Daquelas promessas
De Casmurro ou Sebastião

E a minha fonética
Já perdeu a ética
De escrever consolação
E mesmo na oposição
Continuo caquética
Na minha filosofia de sermão

Ora pois, já perdi os dados
E a minha estatística
Não passa de artística
Com gráficos recortados

Só não fique chateado
Porque se fiz um mar
No meio da cidade
É porque não tenho idade
Para fugir do meu lar

Mas não me impeça de amar
Porque ando atravessado
Pedindo desculpas ao invés de obrigado
Para apenas cantar
E se o que acredito
Virou história
Só peço para Santo Expedito
Encontrar a minha escória

E se ainda encontro um vestígio
Suplico por um resquício
É porque não sei fingir
Ser pela metade ou fugir

Mayara Floss


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