domingo, 28 de agosto de 2011

Beleza


A beleza é nua, você que veste ela de preconceitos para não ver. O que faz enxergar não é o que passa pela retina, mas o que atiça o centro da fome e come por dentro. O essencial foge ao gosto da aparência, e mais do que pavões, sentimos. Talvez isso que nos faça tão humanos. A nossa alma não tem roupa, nossos olhos e crenças que julgam. Se os olhos são a janela da alma, onde está a porta? O telhado? Onde edificamos esta construção, espero que não arraigados ao que é certo e errado, mas acreditando em ser diferente.

Ser diferente é normal dizem uns, outros dizem que ser normal é ser igual. Mas que tanto perpassa pelo conceito de normalidade. Quanto moralismo e roupa para definições. Acredito que estamos enfrentando um eterno inverno, vestimo-nos, escondemo-nos do frio das relações. Temos medo de se aproximar, porque o medo é cheio de modismo e cortes novos.

A moda é aceitar todas as cores, todos os jeitos, mas de preferência com a melhor marca. Ninguém é preconceituoso, só os preconceituosos que não enxergam isso. Nuca tudo foi tão complicado, apesar de termos mil e um apetrechos para facilitar a vida. Quantos cachecóis enrolam nosso pescoço, nossa vida, pegam-nos insensíveis por usar melhor as roupagens do que a nudeza da beleza.

Deixa o sol entrar pela janela, pela porta, pelo que envolve você. Coma menos, enxergue menos, deixe a sua pele retumbante, vibrar mais ao invés de cobri-la. Experimente. Se é frio, se o vento corta, se o calor queima, sinta-os.

Assim, o único conselho é dispa-se.

Mayara Floss

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Impessoal


Ultimamente tudo tem que ser impessoal. Não se envolva muito com os amigos, não confie muito nas pessoas, ou pior, confie desconfiando. Trate os outros como seus inimigos para não saíres prejudicado, fique na retaguarda, proteja-se. Não conte com os vizinhos, seja amigo de todos, mas com cuidado. Relacione-se, ame, mas não se entregue. Seja dono de si, seja independente das relações, não sinta – mas, seja um bom amigo, namorado, marido, amor. Não demonstre seus sentimentos ou pelo menos suas fraquezas. Demonstre seu poder, sua força e que os outros te temam, afinal, é melhor ser temido do que amado. Embora não pode se esquecer de amar. Aprenda com os outros, respeite os teus limites, mas se puder sair ganhando, melhor (e se na esquina tiver que passar a perna, afinal, os fins justificam os meios). Tudo é para um bem maior, ganhar mais dinheiro é para um bem maior, fazer caridade é para um bem maior, amar é para um bem maior. Porque amar é verbo de muito uso, mas essencialmente em desuso. Não gaste as suas energias em discussões, ou melhor, gaste-as porque discutir faz bem, é para um bem maior, é construção de ideia e ideais. Aliás, nunca mude de ideia, não pode perder o seu âmago, mudar de ideia é perder-se e você não pode perder-se se não os outros passarão e você nem passarinho. Seja arraigado porque a tua força são as tuas convicções e as tuas convicções o teu sentimento. E o teu sentimento? Assunto para o psicanalista, mas tudo para um bem maior. Ganhe dinheiro, pois sem ele você não vive bem, mas ganhe mais dinheiro para viver melhor, afinal dinheiro nunca é demais. Comida é demais, mas dinheiro não. Trabalho é demais, mas dinheiro não. Ache um tempo para você, mas ganhe dinheiro. Ache um tempo para os amigos, mas não esqueça de você. Seja perfeito, porque somos todos quadrados e nos relacionamos bem, ao menos mantenha as aparências. Ou seja redondo, porque desce mais fácil na garganta de todos. Ninguém precisa saber se não está bem, ou melhor, reclame! Reclamar é colocar tudo para fora, mas não se coloque para fora. Seja bom na campanha do agasalho, doe, mas não se doe. Saiba perdoar, não guarde rancores, mas se puder sair ganhando, perfeito. Sinta a dor, para poder recuperá-la, mas logo faça uma festa para ela passar mais rápido, hoje, tudo é rápido e você não pode nem deve ficar para trás. Pague as suas contas, mas não pague as suas promessas, no final somos todos perdoados. Dê conta das tuas responsabilidades e depois se preocupe como os outros, afinal eles são outros e não você. Seja o centro do mundo, porque se você não o ser, alguém será para você, mas seja humilde! A humildade é uma dádiva. Os humildes são sábios, portanto seja humilde e será sábio. Gaste, mas economize. Saia, mas não abuse. Abuse só de vez em quando. Coma direito, mas não se endireite. Seja bom o suficiente porque se for bom demais, será abusado. Não de conselhos, mesmo que você sempre acabe dando. Corrija primeiro os seus erros antes de reparar no dos outros, mas repare. Distribua e-mails cheios de sentimento, mas sinta pouco. Tenha a sua realidade virtual, mas não se esqueça do mundo real, embora deva atualizar seu status. Atualize-se, mas mantenha as coisas boas antigas. Mantenha-se, compostura, postura, a primeira impressão é a que fica. Mas não fique muito para não cansar. Não perca tempo, corra contra o relógio, mas descanse. Não descanse muito para não virar preguiça. Seja impessoal, mas não seja frio. Aliás, não passe frio, mas também não passe calor. Embora deva aquecer as pessoas. Sorria, mas não pareça louco. Enlouqueça, jogue tudo para o alto, mas não esqueça de chavear a porta, apagar a luz, dar comida para o cachorro, cumprimentar o padeiro, ligar para o encanador e cuidar daquele que escolheu para viver do seu lado. Mas não dependa, depender é fraco. E não seja fraco porque a lei é do mais forte (mas seja humilde). Não deixe tudo virar cotidiano e clichê, mas não perca a hora. E no fim, seja feliz, porque ser feliz é simples, você descobre a receita em qualquer banca de revistas.

Mayara Floss

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Encontro


Vejo o passado em quadros
Pindurados em palmas
Como uma lista de grandes amigos
Vejo as palavras rasgando
Na pele nua deste silêncio
em que grito meus perdões

Quanta chuva desceu
Pelas minhas mãos
Quantos finais
foram só de semana

Quantas vezes
Decorei uma mágica
Para improvisar
Quantos poemas errados
Quantos detalhes

Por favor, que estes versos não terminem
Porque amor é contorno

Que os meus ombros
Sejam leves
Porque as asas precisam
de céu para voar

Que os meus limites sejam estreitos
Mas meus olhos sejam amplos
Porque minha terra não tem divisão
Sou poema e paixão
Quantas canções
Para guardar
Quantas gavetas
Para esconder
Quantos milagres
Para pouco conhecer

Que não seja preciso muito
Para fazer-me sorrir
Que não sejam muitas moedas
Nem cansaço
Para descobrir que pouco vale

Quanta vida
Para pouco tempo
Quanto tempo
Para pouca vida

Que meus pés sejam pés
E não calçados
Que minha roupa seja corpo
Na nudeza do meu sentimento

Que os meus rios sejam grandes
Que as minhas linhas sejam estreitas
E minha visão ampla

Que o meu coração seja maior
Que os meus braços sejam abraços
Porque não sei viver sem ser descalço
Sem ser simples

Que o meu enredo, minha melodia
Seja muda, e só exista nas cordas
da minha mente
Porque quem vai dizer
Que a próxima composição
Será simples, em lá menor

Que o meu barco seja a eterna
primeira partida
Porque sou porto
E coração

Que a minha infância
Seja maior que a minha certeza
Que o meu silêncio
Seja paz

Que eu não seja fome
Porque o que passa aqui dentro
Ainda me move
Que as palavras sejam a minha metade
porque o resto da poesia é estendida
aos corações de quem as lê

Mayara Floss

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Berço da noite


Meus versos não tem hora.
Ainda bem, pois, já passou da meia-noite
A luz trêmula
Mostra a poeira sobre as palavras
E cega-me o papel branco

A cada pálpebra que cai
Meus olhos deixam o passado
E minhas mãos escrevem

O futuro de meu poema
Abre-se para tantos outros
E minha hora não tem versos

O poema me abraça
E procuro as rimas
Para ninar minhas letras
Talvez algum verbo
Provérbio ou adjetivo
Ficou em silêncio

Porque é noite
E a lua segurou-me pela mão
E levou-me para minha antiga casa
Porque o berço das palavras
Finge morar no futuro,
Mas vive no passado

Mayara Floss

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Colombina


Dentro da praça
Em baixo do palco
A Colombina faz
Das suas alegrias
Uma alegoria de quintal
Não tão improviso
As lágrimas de Pierrot
Foram rodas de despedida
E de tanto esperar samba
Ficou cigana
Para distrair o povo
E abrir o circo desta canção
Desculpe senhor
Mas já embarcou
Nas águas desta paixão
E de tanta inspiração
O malandro perdeu as cartas
E procurou os sinônimos
Para amor
E tudo não passou
De um dia de carnaval
Fugiu num carro de boi
Para fazer gingado
Perto de outro samba

Mayara Floss

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Partir

Foto: Fabiano Trichez

No paraíso do improviso
Talvez provisoriamente
Encontre as estrelas
E qualquer espaço
Se perde no universo
De qualquer inverso espacial

Na beira de qualquer estrada
Procurei você
De mão no chapéu
E com o chapéu na mão

E talvez a minha oração
Seja mais um pedaço de coração
Ou um coração em pedaços
Para justificar o céu cinza
Asfaltado de poeira

De pés descalços
E vidros descalços
Caminham pelo asfalto
Cuidando para não olhar para o alto
e perder-se no caminho

E caminho
Na minha caminhada
Pergunto para que lado
Está a minha encruzilhada
Para que lado fugi
onde me encontrei
e onde me perdi

Qualquer navio é embarque
E qualquer porto é chegada
E qualquer mar é partida
Enquanto partem-se os corações
marujos e navegantes

E partilham-se as histórias
Improvisadas de estrelas
E providas de escuridão
Em cada palavra
Palavreando o antigo refrão


Mayara Floss


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